PT/EN

     Francisco Castro Rodrigues nasceu na Graça, em Lisboa, em 1920. A mãe foi professora do ensino técnico nas escolas Machado de Castro e Josefa de Óbidos e o pai, desenhador, reformar-se-ia como chefe de repartição da Câmara Municipal de Lisboa. Depois de uma curta passagem pelo Instituto Superior Técnico, estudou arquitectura na Escola de Belas Artes a partir de 1942, trabalhando no escritório lisboeta de Paulo Cunha, onde manifestou inclinação para o urbanismo, disciplina então dominada pela figura de Faria da Costa. Ainda estudante desafiou as regras estabelecidas por Cristino da Silva na direcção da Escola ao apresentar em 1950, como tese de conclusão de curso, um projecto construído: os primeiros edifícios da Fábrica Amoníaco Português, em Estarreja, que desenvolvem entre 1945 e 1947, e nos quais ensaiou uma aproximação a uma arquitectura racional, ainda que movimentando-se por linguagens eclécticas. Crítico do ensino ministrado em Lisboa, onde Le Corbusier era personagem vetada, procurou informar-se sobre a evolução da arquitectura moderna, cujos princípios progressistas adoptou.
     Profissionalmente, é a decisão de se fixar em África, em 1953, que acaba por ajudar a definir três etapas no seu percurso: o tempo em que, ainda em Lisboa, de 1946 a 1953, partilha o escritório da Rua Dr. Alexandre Braga com João Simões e José Huertas Lobo; a primeira fase africana em que assume, primeiro o cargo de chefe de repartição, e depois de director dos Serviços de Urbanização e Arquitectura na Câmara Municipal do Lobito, o qual se prolonga até à independência angolana; o esforço de construção deste novo país a que se dedica enquanto funcionário público nas mais diversas tarefas e que termina em 1988, ao regressar a Portugal. Este período é somente interrompido quando, entre 1975 e 1976, fugindo da UNITA, deixa momentaneamente Angola passando pelos gabinetes técnicos de apoio às autarquias locais, em Moura e Beja.
     A fase lisboeta de Castro Rodrigues corresponde também a um tempo de forte activismo político, quer enquanto membro da facção juvenil do MUD (Movimento de Unidade Democrática) quer como militante do PCP, de que se afasta precocemente em 1949. Será preso no Aljube durante 1947, o que inviabilizará um cargo público na “Metrópole”. Esta actividade continua em Angola, onde será delegado de Humberto Delgado às eleições presidenciais de 1958.
     Data deste período o seu primeiro confronto com encomendas para território africano. Integra uma Missão à Guiné, por indicação de Paulo Cunha, com Costa Martins, de que recorda projectos como a transformação de armazéns em palácio do Governador, um museu, intervenções na Sé, residências para altos funcionários e um quartel para caçadores indígenas em Gabu. Da parceria com Simões e Huertas Lobo resultam propostas que o iniciam em programas ligados à realidade colonial: roça de café em São Tomé e Príncipe; bloco de habitação na Praia (Cabo Verde); centro de saúde ampliável a hospital de 50 camas para a Guiné (projecto tipo construído em Cabinda, Angola) bem como ainda o conjunto residencial Casa Sol, no Lobito, em 1952.
     O escritório servirá ainda de sede às ICAT (Iniciativas Culturais Arte e Técnica) que darão cobertura à produção dos novos números da revista Arquitectura, a partir de 1947. Castro Rodrigues edita pelo menos dois (#50-51, 1953 e #52, 1954) enquanto espera autorização para embarcar para Angola. Antes disso, participa activamente no 1º Congresso Nacional de Arquitectos (1948), ainda na qualidade de tirocinante, assinando com Simões e/ou Huertas Lobo, as teses “Do ensino ao exercício da profissão” e “O alojamento colectivo”, onde expõem os seus ideais modernos. Terão oportunidade de os demonstrar no plano (não aprovado) para a zona sul da Avenida dos Estados Unidos da América, Lisboa, que conta também com Celestino de Castro e Hernâni Gandra na equipa.
     Na preparação para o III Congresso da UIA (União Internacional de Arquitectos) que se realiza em 1953, Lisboa, integra com Keil do Amaral e Frederico George a comissão organizadora das exposições, onde colabora também Rafael Botelho. A montagem dedicada à arquitectura moderna brasileira deixa-lhe uma forte impressão. Esta exposição, bem como Le Corbusier (de quem traduzira para a Arquitectura entre 1948 e 1949, A Carta de Atenas, juntamente com a sua mulher Maria de Lourdes), tornar-se-iam referências habituais na sua obra.
     É ainda em Lisboa, no Gabinete de Urbanização Colonial (GUC, posteriormente do Ultramar), que, como tirocinante, colabora nos planos de urbanização para o Lobito e Nampula. Mais tarde o comandante Pina Cabral, presidente da Câmara Municipal do Lobito, desejando transformar a cidade numa “nova Casablanca”, convida-o a fixar-se em território angolano. Após 11 meses de impasse por razões políticas, recebe autorização, chegando ao Lobito já em 1954. Dividindo-se entre o serviço público e a profissão liberal, inicia aqui a sua fase mais criativa e influente.
     No Lobito, onde quase não há arquitectos, tem oportunidade de implantar uma arquitectura racional recorrendo às técnicas construtivas modernas que se encontravam em franca expansão nos principais territórios coloniais, e cuja qualidade de execução não se revelará inferior à metropolitana. Começa por ampliar os Paços do Concelho (originalmente um projecto do GUC), por desenhar a Missão Católica e dotar os bairros indígenas de instalações sanitárias colectivas.
     Divide-se pelos mais variados programas: equipamentos públicos (mercado municipal, aerogare, painel do Jardim Infantil João de Deus, Biblioteca do Alto Liro…), religiosos (Igreja Evangélica do Bairro Caponte), instalações industriais (Sorel, Guedes & Almeida…). Alarga a sua actividade à iniciativa privada, utilizando nos seus edifícios grelhagens para ensombramento das fachadas, e introduzindo ventilação cruzada, preocupações dominantes nos trópicos (Irmãos Melo, Universal, Lusolanda, Marvão & Martins, Casa Americana, Bloco na Praça Gil Vicente…). A exposição Meio Século de Crescimento, patrocinada pela Câmara em 1963, apoia-se maioritariamente nestas realizações que Castro Rodrigues vai espalhando pela cidade. Outras obras dos anos 60, caso do Liceu e do Cine-Esplanada ao ar livre Flamingo [c], correspondem a um apuramento técnico e formal que defende como arquitectura tropical. A participação de artistas reforça o referencial moderno, como prova a intervenção azulejar do pintor Manuel Ribeiro de Pavia na Casa Sol ou, mais tarde, o painel de marmorite da Câmara Municipal do Ganda de João Mário Rascão [b].
     Mas é a prática urbanística que melhor define este percurso e onde se contam os planos urbanísticos do Lobito, Vila da Catumbela e Sumbe... ou os planos parciais de Cabinda e Silva Porto ou das cidades para a Companhia Mineira do Lobito, Jamba e Tchamutete. Depois da independência desenhará o Plano para a Cidade do Pioneiro. Esta produção mostra como a sua influência se estende à região, trabalhando para Benguela, Sumbe (Bloco Marques Seixas, Palácio da Justiça, Paços do Concelho, Liceu...) ou Ganda (Casa Dr. Figueiredo, Posto Clínico...)
     A Igreja do Sumbe, c. 1966 [a], é um dos edifícios mais re- presentativos deste período, e uma síntese dos ideais modernos, aplicando claramente os princípios de integração das três artes (painel cerâmico da escultora Clotilde Fava e tapeçaria do pintor Durdil, p.e.), cumprindo um programa espacial progressista e recorrendo a soluções construtivas sofisticadas. A preparação técnica que então comprova é antecipada em reflexões teóricas publicadas, p.e., na revista local Divulgação: Boletim da Câmara Municipal do Lobito sobre a utilização do betão (“O betão nu e o Lobito”, 1964). Este esforço de difusão da arquitectura moderna faz parte da actividade cultural que desenvolve paralelamente, p.e., a partir do Núcleo de Estudos Angolano-Brasileiros, cuja direcção partilha com Sérgio Príncipe e Maria da Conceição Nobre. É neste contexto que retornará à arquitectura brasileira com uma exposição da sua autoria montada na Associação Comercial em 1961 e para a qual prepara uma conferência e produz um folheto. A Arquitectura Moderna Brasileira será depois apresentada em Benguela, Luanda, Huambo e Namibe.
     Após a independência, Castro Rodrigues entrega-se às mais variadas acções, trabalhando como professor de liceu, integrando o Ministério da Construção e Habitação, criando as zonas regionais de urbanização, entre outras funções. Empenha-se então na reconstrução de Angola defendendo a introdução de uma cultura moderna e pluri-racial. Deixará o país por razões de saúde da sua mulher. Como verificará em 1998, quando o visita pela última vez a convite da administração local, no imaginário popular permanece como “o arquitecto que construiu o Lobito”. Actualmente, vive nas Azenhas do Mar. |

 


VER mais velhos #235
VER mais velhos #236
VER mais velhos #237
VER mais velhos #238
VER mais velhos #239
VER mais velhos #240
VER mais velhos #241
VER mais velhos #242
VER mais velhos #243
VER mais velhos #244
 FOLHEAR REVISTA